quarta-feira, 1 de junho de 2011

OPLOLOGIA

Numa roda de amigos num quente final de tarde, no chamado “happy hour” regado a cerveja, é mais do que comum as conversas girarem sobre as atividades do dia, o trabalho, o jogo de futebol, a política, as notícias sobre a situação do país e do mundo. E no meio a tudo isso, sempre se encontra um tempo para as paixões em comum, a maioria das pessoas encontra no esporte a sua válvula de escape das tensões diárias, mas um pequeno grupo tem lá as suas paixões mais específicas. O homem tem certamente um “instinto acumulador”, as pessoas guardam de tudo, de tesouros a velharias e inutilidades, e em certos casos patológicos até... Lixo. Nesta mesma roda de amigos, poderemos encontrar talvez um colecionador de carros, um filatelista (colecionador de selos) um numismático (colecionador de moedas) e quem sabe até um oplólogo... Oplólogo? Que raios vem a ser isso?
Oplologia é um neologismo de origem inglesa e italiana, foi cunhado na Inglaterra no século XIX por Sir Richard Burton e deriva dos vocábulos gregos Hoplon - οπλον, e λογοσ – o logos, como conhecimento, ciência. “Hoplon” era o grande escudo levado pelos Hoplitas (ὁπλίτης), o soldado grego de infantaria pesadamente armado, servindo a mesma raiz para designar o conjunto completo das armas dos gregos (além da armadura, grevas, escudo e elmo, usavam a espada de fio duplo, e lança pesada). Ainda relacionado há o termo grego Hoplos, que designa um ser mítico que era couraçado.
A Oplologia no início foi relacionada com a arte e técnica marcial, ao uso das armas, e depois de 1960 com Donald Frederick Draeger, passa a ser a relacionada como campo acadêmico de maior abrangência social, podendo se definir como a ciência que estuda a arte do combate e da guerra, da Filosofia e do logos do guerreiro, da história e estratégia militar, incluindo-se aí certamente o estudo da artilharia, das armas de fogo, das armas brancas, da munição, das fortificações, e também servindo de auxílio para outras ciências sociais. Na Itália, a palavra oplologia foi usada também a partir do século XX para descrever o estudo das armas e armaduras, e não propriamente só da parte prática, a das técnicas de uso.
Oplólogo então é o pesquisador ou estudioso do tema, que deve ter o necessário rigor científico, com pesquisa e literatura, mas sem esquecer a paixão (oplofilia) que estes artefatos sempre provocaram nos seres humanos (ou ainda no outro extremo ódio e medo, tão atuais e debatidos – a oplofobia,).
O estudo, conservação e colecionismo das armas de fogo, muito nos revelam sobre a cultura e a tecnologia da época em que elas foram feitas. As análises profundas das características técnicas e sociais nos fazem vislumbrá-las além de simples instrumentos mecânicos, pois foram parte da sociedade, as mantenedoras de poder e status social de seus proprietários. Pode-se inclusive se dizer que a função social das armas era ser representante visual da opulência ou penúria de seus possuidores, assim, por exemplo, frente a uma pistola com fecho de roda ricamente decorada do séc. XVI saberemos logo que pertencia a um nobre alemão, pelo alto valor econômico e artístico ali empregado, ao passo que frente a um mosquete de mecha rústico e simples do mesmo período e região, saberemos logo que era pertencente a um lasquenete (mercenário) ou soldado regular, pela modesta e prática construção.
As armas de fogo e canhões representam mais de 700 anos da inventividade e engenhosidade humana. Em cada arma como já disse, estão inseridos dados da sua época histórica, da cultura do povo que a construiu, cinzelados e burilados em metal bruto, ouro e prata, estão entranhados a sensibilidade e a habilidade particular de cada artesão, o que em certos casos pode transformar cada peça em uma peça única e de valor inestimável. Não se podem dissociar as armas da história, dos personagens das grandes tragédias, dos dramas humanos e dos importantes fatos mundiais. As armas fizeram sua aparição na sombria idade média como criaturas mitológicas, verdadeiros dragões que vomitavam fogo e metal, surgidas nos caldeirões dos alquimistas, e paridas pela mistura malcheirosa da primeira pólvora se esgueiraram para o campo de batalha medieval, através dos primitivos canhões de mão que evoluíram acompanhando a marcha constante do progresso humano, e se infiltraram no inconsciente coletivo com a mesma força de seus projéteis, que silvando perfuravam armaduras e destronavam reis.
Assim se consolida a oplologia como ciência social para somar a outras já existentes, conjugada com a balística em suas diversas vertentes (balística interior, exterior, de efeitos e forense), que cuida do estudo dos projéteis, tendo esta nascido junto com as antigas balistas e catapultas da idade antiga, antes mesmo das armas de fogo.
O colecionismo de armas tem por objetivo a perpetuação da memória e da história do homem, vem somar possibilidades a criação de um mosaico completo das diversas facetas técnicas e sociais de um período, possibilitadas pela metalurgia, artes, ourivesaria, engenharia, marcenaria, marchetaria, arqueologia, sociologia, literatura e demais ciências e técnicas.
Colecionar armas é sinônimo de cultura, conservação do patrimônio, e responsabilidade, bem ao contrário do que hoje se prega no Brasil, que seria sinônimo de ignorância e violência. O colecionador antes de tudo é um técnico, um estudioso, um literato apaixonado pelo que faz, e não raras vezes, um lutador solitário que se impôs a responsabilidade de preservar a memória militar e social de seu país, mesmo na contramão de seu povo ou momento político, que apenas anseiam pelo esquecimento ou pela ignorância plena.

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